segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Lembremo-nos, há curvas na estrada...



Apareceu uma curva no meio da estrada e uma placa que dizia: “não é permitido passar da maneira que desejas!”.
Confesso que parei por um momento na curva, percebi que tinha meu olhar para tão além da estrada a qual percorria que não vi o que estava diante de mim... parei com um choque.
Observei as sensações que a curva despertou em meu peito e fui colocando cada uma delas ao lado uma da outra, fiz delas um murinho na beira da estrada e sentei em cima para orar. As sensações gritaram, relutando para não saírem do meu foco, queriam atenção, (ainda escuto daqui de cima do muro um murmuro delas lá dentro, soprando pensamentos tão medíocres... faz parte, elas fazem parte de mim, talvez sempre farão, porque sou Humana e, pelo menos até o momento, conseguem chamar minha atenção constantemente – o desafio é observar a existência delas e não reagir, assim elas vão se transmutando – lembro do Vipassana, anicca, anicca, anicca!!!).

Orei, as sensações se acalmaram e agora persisto em cima do muro para refletir. Percebo, e me lembro, que os movimentos das curvas são partes do percurso da vida quando se está entregue... e que são bem vindos! "Que seja feita Senhor a Tua vontade e não a minha" é um dos combustíveis que têm me mantido na estrada durante os últimos anos ... eu, que busco dissolver o ego e a personalidade, e que me acostumei a ser tão “dona de mim mesma” e ter tudo o que quero, do jeito que quero, na hora que quero, (doce ilusão de liberdade!), percebo que é necessário perder a vontade própria, que para entregar-se ao infinito dentro de si é preciso ir perdendo-se pela estrada, em curvas, como essa que se apresenta agora... que podemos chamar de provas, se acharem melhor.

Deixar as bagagens materiais, desfazer-se de vínculos como o trabalho, despedir-se de amizades sabendo que o amor mantém a união, tudo isso é fácil demais perto da maior necessidade, que é desapegar-se de si mesmo... dos velhos padrões (mesmo que esses padrões tenham se renovado nos últimos anos), desapegar-se das crenças e seguranças internas, desapegar-se da confiança que tem na personalidade e confiar no universo, enfim... se “ser ou não ser”, é a questão!, creio que no momento o Não Ser é a chave para o desprendimento de tudo! Inclusive a própria crença nesta questão deve ser dissolvida... perceber-se no Nada e observar... parece complicado assim à primeira vista, mas vivendo se aprende. E meditando...

E tem é estrada a ser percorrida... imagino que muitas curvas ainda estão pelo caminho... e como dizia São Francisco de Assis, “obrigado pela oportunidade de praticar a humildade”. Que em cada curva que se apresentar a mim eu possa ter a graça da humildade. Que eu não precise esperar as curvas para praticá-la, na verdade. Aprender a ter paciência, a respeitar o tempo certo das coisas, dos movimentos, aceitar a distância da estrada, as mudanças de direção, e a não ter expectativas, enfim... aprender a não reagir, somente observar, aceitar, agradecer, confiar no primordial e viver plenamente aquilo que se apresentar. Por enquanto, em poucas horas sentada em cima do muro das emoções que a curva me trouxe, estes são os aprendizados que se apresentam, para uma vida toda... e para serem praticados porque, se guardados na mochila, tornam-se cargas pesadas. Gratidão às curvas que me trazem a lembrança de toda esta sabedoria de viver.

É importante ter na mochila de peregrino ampolas de aceitação das limitações humanas e de perdão a si mesmo. São importantes diante das curvas da estrada, são antídotos contra a desistência, combustíveis para a perseverança.

E percebo também que sem o Silêncio a gente fica à mercê da mente, das sensações, das emoções ... é preciso praticar o silêncio interno e externo.

Tiro do bolso um poeminha de Alberto Caeiro que trago sempre em minha mochila de viagem, porque nas estradas sempre aparecem curvas... e é preciso exercitar viver sem se preocupar com elas, sem desejar além delas, para estar inteiro no ponto em que estiver.

“Para Além da Curva da Estrada

Para além da curva da estrada
Talvez haja um poço, e talvez um castelo,
E talvez apenas a continuação da estrada.
Não sei nem pergunto.
Enquanto vou na estrada antes da curva
Só olho para a estrada antes da curva,
Porque não posso ver senão a estrada antes da curva.
De nada me serviria estar olhando para outro lado
E para aquilo que não vejo.
Importemo-nos apenas com o lugar onde estamos.
Há beleza bastante em estar aqui e não noutra parte qualquer.
Se há alguém para além da curva da estrada,
Esses que se preocupem com o que há para além da curva da estrada.
Essa é que é a estrada para eles.
Se nós tivermos que chegar lá, quando lá chegarmos saberemos.
Por ora só sabemos que lá não estamos.
Aqui há só a estrada antes da curva, e antes da curva
Há a estrada sem curva nenhuma.”

Alberto Caeiro, in "Poemas Inconjuntos"
Heterónimo de Fernando Pessoa


Sigamos, com amor! Em união! Jan 2010

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