domingo, 31 de janeiro de 2010

Dona Têmpera




Ontem conheci uma senhora forte e sábia que me foi apresentada por uma amiga. Chamou-me a atenção sua estrutura exuberante e acolhedora, ela pareceu-me grávida. Toquei-a com delicadeza e perguntei seu nome. De imediato respondeu, “Têmpera”, e já me convidou para um abraço. Abracei-a e nos unimos de forma tão intensa que tudo ao nosso redor desapareceu. Um calor vindo do centro de nosso peito subiu tomando conta de minha respiração e assustei. Hesitei-me por um segundo, mas estava segura em querer este encontro e encostei minha testa em seu corpo. Senti dificuldade de respirar neste momento, o calor se dissolveu e respiramos juntas, profundamente. Senti sua respiração um pouco mais ofegante que a minha, mais pesada... Perguntei sua idade e ela disse que havia muito tempo que estava ali ... Que já viu muitas flores desabrocharem e pássaros cantarem ao seu redor, já passou frio e também muito calor. Convidou-me a sentar em seu colo ainda abraçada, encostei meu ouvido em seu peito e ela contou-me que já acolheu muitas pessoas do frio, da fome e do sofrimento e apresentou-me sensações vividas por algumas destas pessoas. Disse que foi muito pouco acolhida em seu vida... que normalmente as pessoas não vem conversar com ela, abraça-la, mas que está tudo bem e que é feliz, apesar de todas as suas dificuldades em sobreviver. Neste momento eu senti a pulsação do seu coração embalar meu corpo, de uma maneira muito profunda, física. Minha amiga tocou meus ombros avisando da necessidade de irmos caminhando... Despedi-me de Têmpera agradecendo aquele encontro, elogiando sua beleza e exuberância e levantei-me de suas grossas raízes, onde estava sentada. Um passo para trás, olhei para cima e observei sua altura, a luz que entrava através de seus galhos, a falta de folhas em sua copa, a formosura de seu caule imenso e redondo. Esqueci de perguntar se estava realmente grávida, como me pareceu. Mas a impressão que tenho é de que esta Senhora, enraizada em uma praça em meio ao caótico universo cinza e barulhento de São Paulo, traz em seu ventre a força da vida, da natureza que equilibra e sustenta a saúde daquele lugar.


* Relato de um exercício da Vivência com a Natureza, facilitada por José Maria Reis, dos Argonautas Ambientalistas da Amazônia, realizada no bairro Consolação, em São Paulo.

Nenhum comentário: